Passo a passo para implantação de um Sistema de Controle Interno Efetivo

Desvendando os mitos dos sistemas de controle interno


Ao longo de mais de 20 anos de atuação junto ao setor público, nos deparamos com diversas práticas, dogmas e aplicações equivocadas da legislação que imperam no dia a dia da gestão pública.

Essas situações, por partirem de uma concepção equivocada sobre controle interno, acabam por frustrar as expectativas de gestores, controladores e auditores internos, ao incentivarem e perpetuarem controles internos essencialmente burocráticos, sem qualquer resultado prático e sem nenhum retorno positivo para a gestão municipal e para a sociedade.

Neste artigo, faço uma proposta de reflexão sobre uma metodologia que utilizo em meus trabalhos, a fim de dotar os sistemas de controle interno de ferramentas que os permitam transformar a realidade da gestão pública nos Municípios brasileiros.

Antes de expor essa metodologia, contudo, é importante fazer uma abordagem conceitual precisa sobre controle interno e sistema de controle interno.

Uma boa definição do que seja controle interno no âmbito da Administração Pública (em verdade é a mesma concepção dos conceitos aplicados na gestão de diversas empresas e instituições privadas), encontramos no art. 2º da Decisão Normativa n. 002/2016 do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais - TCE/MG:

“O controle interno é o conjunto coordenado de métodos e de práticas operacionais que deve ser implantado em todos os níveis hierárquicos do Poder, estruturado para enfrentar riscos e fornecer razoável segurança de que, na consecução das metas e dos objetivos do Poder, serão observadas as seguintes diretrizes:

  1. – execução ordenada, ética, econômica, eficiente e transparente dos processos de trabalho; 
  2. – cumprimento das obrigações de accountability; 
  3. – cumprimento dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, da razoabilidade e da finalidade, dos atos legais e infralegais e das melhores técnicas de gestão; e 
  4. IV – preservação dos recursos públicos contra perda, mau uso e dano”.

 

Diferenças entre Controles Internos e Sistemas de Controles Internos?


Controles internos são, assim, as diversas ações cotidianas de todos os órgãos que integram a estrutura administrativa de um órgão ou entidade governamental, realizadas para que as diretrizes acima citadas possam ser cumpridas.

Os controles internos não se confundem com o Sistema de Controle Interno - SCI, que é o conjunto de todos os controles internos exercidos no âmbito dos órgãos que integram a estrutura administrativa de cada um dos Poderes, estruturado de maneira a permitir a atuação ordenada desses controles internos.

O Art. 3º da Decisão Normativa n. 002/2016 do TCE/MG assim define o Sistema de Controle Interno:

“O Sistema de Controle Interno visa a avaliar a ação governamental e a gestão dos administradores públicos, por intermédio da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, e a apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

§ 1o O sistema de controle interno é formado pelas unidades administrativas de todos os níveis hierárquicos do Poder, as quais aplicarão, de forma conjunta e integrada, os métodos e as práticas operacionais de controle interno nos processos de trabalho que lhes forem afetos, sob a coordenação de uma unidade central.

§ 2o As unidades administrativas mencionadas no parágrafo anterior serão denominadas de unidades executoras do sistema de controle interno.”

 

Unidades executoras dos Sistemas de Controle Interno


Partindo dos contornos normativos fornecidos pelo TCE/MG, temos, no Poder Executivo Municipal, por exemplo, as Secretarias Municipais e seus diversos setores como unidades executoras do SCI e a Controladoria Geral do Município (ou órgão equivalente) como a unidade central do SCI.

Importante salientar que a existência da unidade central do SCI na estrutura organizacional não exime os gestores das unidades executoras de zelar pelo correto funcionamento das atividades de controle interno incidentes sobre os processos de trabalho sujeitos à sua responsabilidade, eis que todos os agentes públicos, sem nenhuma exceção, exercem cotidianamente atos de controle.

Essa é a primeira concepção equivocada que precisa ser revista: controle interno não é competência da Controladoria Geral, mas sim de todo e qualquer órgão e agente público que integra o Poder (unidades executoras).

Cabe à unidade central do SCI, então, num primeiro momento, um trabalho mais pedagógico, de apoio (ações preventivas), que consiste em:

  • acompanhar os processos de trabalho das unidades executoras, coordenar, orientar e organizar as atividades de controle interno sobre esses processos; 
  • zelar pela integração e pela interação das atividades de controle interno das unidades executoras; 
  • avaliar se as unidades executoras, na realização de seus processos de trabalho, estão cumprindo os atos legais e infralegais, bem como os resultados programados (medição de desempenho).

 

Como gerar transparência e segurança aos Controles Internos?


Uma forma adequada de gerar transparência, segurança e efetividade dos controles internos é a unidade central do SCI efetuar a normatização, a sistematização e a padronização das rotinas de trabalho das diversas unidades executoras, mediante a elaboração de manuais, de instruções normativas específicas ou de fluxogramas, instrumentos estes que devem ser constantemente revisados e atualizados.

 

Em um segundo momento, a unidade central do SCI realizará em caráter periódico, auditorias internas para medir e avaliar, sob a ótica da legalidade, da legitimidade, da eficácia, da eficiência, da efetividade e da economicidade, os procedimentos de controle interno adotados nas unidades executoras, concretizados por meio das rotinas de trabalho e instruções normativas e, por conseguinte, expedir recomendações ao gestor da unidade ou à autoridade máxima do Poder para evitar a ocorrência de irregularidades ou para sanar as irregularidades apuradas (medidas corretivas).

 

O papel da Controladoria Geral


Além dessa forma de atuação, também a Controladoria geral será responsável por zelar pela qualidade e pela independência do sistema de controle interno; cientificar o Tribunal de Contas sobre a ocorrência de ilegalidade ou irregularidade apuradas no exercício de suas atividades, na hipótese de aquelas não terem sido sanadas no âmbito do Poder; monitorar o cumprimento das recomendações por ela expedidas, bem como o cumprimento das recomendações ou determinações expedidas pelos órgãos de controle externo.

 

Por fim, por expressa exigência legal ou regulamentar, caberá à unidade central do SCI emitir e/ou assinar relatórios, pareceres, certificados de auditorias e outros documentos que exteriorizem a sua atuação.

 

Portanto, a função das Controladorias Gerais não é somente assinar empenhos, fazer relatórios, acompanhar o cumprimento de índices constitucionais e legais, verificar a execução orçamentária e muito menos punir qualquer agente público, como em geral se concebe.

 

Mais importante, é que as diversas unidades executoras do SCI devem ter condições de, com o auxílio da unidade central do SCI:

  • mapear e gerenciar os riscos a que estão sujeitos os seus processos de trabalho; 
  • identificar as ações que serão objeto de controle dentro dos seus processos de trabalho e dos responsáveis pela execução dessas ações;
  • selecionar os procedimentos de controle a serem aplicados sobre aquelas ações.

 

A prática diária dos controles internos


Desta forma, em uma Prefeitura, as Secretarias Municipais e seus agentes devem:

  • executar os métodos e as práticas operacionais de controle interno nos processos de trabalho sujeitos à sua responsabilidade e manter registro dessa operação; 
  • cumprir os atos legais e infralegais (manuais e instruções normativas, entre outros) a que estão sujeitas as suas rotinas de trabalho; 
  • comunicar à unidade central do sistema de controle interno a ocorrência de ilegalidades ou de irregularidades de que tiverem conhecimento no exercício de suas atividades; 
  • disponibilizar à unidade central do sistema de controle interno todas as informações que lhes forem solicitadas; e 
  • auxiliar a unidade central do sistema de controle interno no monitoramento das recomendações por ela expedidas, bem como no monitoramento das recomendações ou determinações expedidas pelos órgãos de controle externo.

 

Em suma, para que o SCI cumpra adequadamente a sua função, faz-se necessário definir responsabilidades, criar normas e procedimentos, monitorar e avaliar o seu cumprimento e, dessa forma, dar subsídios para todos os servidores executarem seu trabalho com segurança e eficiência, de acordo com as prescrições legais.

 

Como fazer o Sistema de Controle Interno funcionar?


Feitos os esclarecimentos anteriores, o que mais nos questionam é:

  • Como fazer isso funcionar?
  • Como dotar o SCI de efetividade, a fim de que os bens e serviços resultantes das diversas ações e programas governamentais alcancem resultados mais benéficos para a sociedade?

Uma mudança de perspectiva que se faz necessária é compreender que os controles internos nunca serão um fim em si mesmo, sendo, em verdade, ferramentas de gestão utilizadas para que os agentes públicos cumpram a contento os seus deveres com a sociedade, sem correr riscos desnecessários no desempenho de tal mister.

 

Não se controla “porque a lei manda”, “porque o Tribunal de Contas fiscaliza”, ou “porque o Prefeito, Secretários e Servidores serão processados”. Os controles internos existem para assegurar o exercício de direitos e garantias fundamentais, a proteção do patrimônio público, para aprimorar as formas de trabalho a fim de que os princípios constitucionais não sejam apenas normas programáticas, sem qualquer efetividade.

 

De nada adianta a Controladoria Geral produzir uma infinidade de relatórios e de instruções normativas que são utilizados apenas temporariamente e terminam por mofar em gavetas e escaninhos de órgãos públicos.

 

Por isso pensamos em uma metodologia para que gestores públicos de todo o Brasil consigam tirar do papel seus planos, projetos e ações com absoluta segurança, rapidez, eficiência, eficácia, economicidade e efetividade, tendo o Sistema de Controle Interno como seu maior aliado.

 

Entendendo o porquê das coisas.


Essa metodologia foi desenvolvida a partir dos estudos acerca de duas teorias: a “Teoria da Ação Comunicativa” e a “Teoria Discursiva do Direto”, ambas do jusfilósofo alemão Jürgen Habermas.

 

Falemos um pouco sobre essas teorias, para depois relacioná-las à implantação de Sistemas de Controle Interno na prática.

 

A ação comunicativa é uma interação social entre sujeitos que objetiva produzir entendimento mútuo e consenso. Refere-se a intervenções no diálogo entre vários sujeitos, no qual esses sujeitos buscam entender-se e construir uma definição comum de uma situação.

 

O interessante é que, ao adotar uma ação comunicativa, os diversos sujeitos sociais de um diálogo, tendo como paradigma a “confiança”, buscam uma construção argumentativa de consensos que produzem conteúdos de verdade, ainda que cada um daqueles sujeitos tenha perseguido racionalmente objetivos individuais.

 

Ou seja, todos serão ouvidos e terão os seus interesses atendidos de acordo com a sua própria visão, num grande acordo que sirva de base a uma coordenação combinada dos planos de ação individuais.

 

Transportando essa teoria para o serviço público, é evidente que, sem ouvir os servidores, sem estabelecer um diálogo genuíno, despido de qualquer ação estratégica para conhecer a sua realidade de trabalho, não há como criar normas e rotinas que subsidiarão os diversos controles internos que serão de fato executados e gerarão resultados positivos.

 

É preciso que os servidores compreendam a importância do exercício dos controles e queiram de fato exercê-lo.

 

Assim, na etapa de criação das instruções normativas, utiliza-se a ação comunicativa, para que, no contexto de uma interação dialógica, seja possível obter um consenso (servidor/unidade central do sistema de controle interno/unidades executores) sobre a melhor regra a ser seguida para que todos, sem exceção, tenham os seus objetivos satisfeitos.

 

É gratificante ver o servidor compreender o porquê de uma lei ter que ser cumprida, não pelo seu viés autoritário, porque o superior hierárquico assim o exige ou por medo da atuação dos órgãos de controle externo, mas simplesmente porque ele passa a entender a razão de cada uma das normas que ele deve seguir. A verdadeira compreensão da lei é que gera a aderência voluntária e legítima aos seus comandos e o seu efetivo cumprimento.

 

De forma complementar às ações que ocorrem nessa fase de diálogo com os servidores, parte-se então para a aplicação da outra teoria, a Teoria Discursiva do Direito, para a qual o direito apto a gerar segurança jurídica para os seus operadores e contar com o reconhecimento de legitimidade de seus destinatários será o direito discursivo, “cujos destinatários participem de sua elaboração, ou seja, que contem com a sua adesão racional”.

 

A autoridade do direito e das normas que o revelam (no caso, as instruções normativas) é obtida não pela força ou pela imposição, mas sim, pelo diálogo, pela concertação.

 

A teoria discursiva do direito, pressupõe, assim, consenso, diálogo, cooperação, democracia, legitimidade discursiva e cidadania.

 

Uma questão de cultura organizacional


A forma de se cumprir a lei será decidida pelos próprios servidores, em conjunto com a Controladoria Geral e os responsáveis pelas unidades executoras do SCI (as Secretarias, se usarmos o exemplo do Poder Executivo Municipal).

 

Neste processo também acontecerá de muitas regras internas, que há anos são cumpridas por mero costume e que não passam de interpretação equivocada da lei e de burocracia inútil, serem abandonadas ou substituídas por medidas de controle mais simples, rápidas e muito mais eficazes.

 

Em suma, trata-se de metodologia que objetiva, em última instância, transformar uma cultura oriunda de práticas criadas em um ambiente de burocracia nefasta e estéril, descontrole, ilegalidade e ausência de gestão, em ações concertadas na busca de um padrão eficiente de atuação, na consecução da efetiva (e não apenas “pro forma”) implantação de um Sistema de Controle Interno.

 

Portanto, o resultado final não serão controles internos formais “apenas para inglês ver”, mas sim uma verdadeira mudança de cultura, implantando práticas internas de compliance e criando um ambiente de controle que propicia a verdadeira governança no serviço público, diminuindo de maneira sensível e plenamente mensurável o desperdício, desvios, a dilapidação do patrimônio público e atos de corrupção, além de proporcionar um maior nível de qualidade de trabalho, de segurança e de especialização para os diversos servidores municipais.

 

Passo a passo para a implantação de um Sistema de Controle Interno

 

Para que as teorias de Habermas possam ser aplicadas e que assim transformem a gestão pública municipal, propõe-se, como critério metodológico, a realização de um diagnóstico inicial, mediante visitas e entrevistas presenciais com a totalidade dos servidores lotados nas unidades executoras do SCI objeto do diagnóstico, bem como dos respectivos agentes políticos.

 

Os encontros têm como objetivo averiguar a existência de instrumentos de controle, conhecer a realidade dos setores e suas respectivas dificuldades enfrentadas no dia a dia.

 

Com base nas informações levantadas, propor soluções, implementar procedimentos e rotinas de trabalho e, por fim, instrumentos e mecanismos que elevem a eficiência da gestão pública.

 

Nesses momentos são também colhidas sugestões dos próprios servidores para a melhoria do desempenho de suas atribuições e consequentemente, de todo o serviço da Prefeitura Municipal.

 

Essa fase é concluída com o relatório diagnóstico, que subsidia a tomada de decisões sobre os tipos de controle a serem instituídos e as mudanças físicas e/ou estruturais que se mostrarem necessárias. Não se trata de um relatório genérico.

 

Nele estão contidas todas as circunstâncias de ordem fática e legal que contribuem para colocar a entidade em risco, propiciando, assim, uma leitura fidedigna da realidade e a consequente proposição de soluções customizadas para enfrentar esses riscos.

 

Posteriormente inicia-se a elaboração das instruções normativas, novamente com a presença de todos os servidores envolvidos na fase de diagnóstico, a fim de que eles participem da construção das normas e procedimentos que deverão ser por eles seguidos no exercício dos seus respectivos controles internos.

 

Nessa etapa, define-se quais serão as regras, os procedimentos, os processos de trabalho sujeitos a controle e como serão implementados e cumpridos.

 

Essas normas, antes de entrarem em vigor, devem ser melhor compreendidas pelos agentes públicos que as cumprirão e por todos que de alguma foram sejam atingidos por elas.

 

Por isso é essencial a realização de treinamentos e capacitações para que os novos instrumentos de controle sejam efetivamente aceitos por seus usuários e não simplesmente “impostos”, por um ato autoritário unilateral, reforçando a participação de seus destinatários em todas as fases do trabalho.

 

Acompanhamento e melhoria contínua


Segue-se a fase de acompanhamento da implantação das novas rotinas e procedimentos, com o monitoramento da fase de adaptação dos servidores à nova cultura de controle e responsividade, a fim de se constatar a necessidade de ajustes nas normas e seus efeitos práticos nos diversos processos administrativos da entidade.

 

O acompanhamento da implantação das normativas é seguido, assim, por relatórios que analisarão a nova realidade e que mensurarão objetivamente a ocorrência ou não dos resultados esperados.

 

É possível monitorar toda as etapas da estruturação do SCI, de forma a comprovar sua efetividade, mas o maior resultado alcançado é algo perene para a Administração Pública: a substituição da burocracia e da ineficiência por uma nova forma de trabalho, em que a democracia se efetiva como modus operandi contínuo no estabelecimento e cumprimento de controles, sendo que o atendimento aos ditames da lei é realizado de forma consciente, voluntária, de maneira simples e com ganhos reais para a comunidade e para o Estado.

 

Esta é uma metodologia de trabalho que nasceu de uma perspectiva idealista e ao mesmo tempo pragmática: aplicar os saberes científico e filosófico em prol da sociedade e utilizar o direito como instrumento de liberdade, segurança e dignidade para o ser humano.

 

Não podemos nos contentar com a máxima que impera no serviço público, de que “sempre foi feito assim”.

 

Acreditamos que a efetividade de um sistema de controle interno passa pelo abandono das velhas práticas, pela recusa em aceitar retóricas inovadoras que ficam apenas no papel e pela coragem de transformar o setor público um segmento que alia competência, integridade e qualidade para melhorar a vida dos seus usuários.

 

Priscila Ramos Netto Viana

Advogada especialista em Sistemas de Controles Internos 

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